Alguns internautas têm me instigado a analisar a composição “Faz um milagre em mim”. Eu vinha evitando fazer isso, a fim de não provocar a ira dos fãs do cantor que interpreta esse hit “evangélico”. Afinal, vivemos em uma época em que dar uma opinião à luz da Bíblia desperta a fúria daqueles que dizem ser servos de Deus, mas são, na verdade, fãs, fanáticos e cristãos nominais.
Resolvi, pois, atender os irmãos que desejam obter um esclarecimento quanto ao conteúdo da canção mais cantada pelo povo evangélico na atualidade, a qual começa assim: “Como Zaqueu, eu quero subir o mais alto que eu puder”.
Primeira pergunta para reflexão: Zaqueu, quando subiu na figueira, era um seguidor de Jesus, um verdadeiro adorador? Não. Ele era um chefe dos publicanos, desobediente a Deus e corrupto (Lc 19.1-10). Nesse caso, como um crente em Jesus Cristo, liberto do poder do pecado, pode ainda desejar ser como Zaqueu, antes de seu maravilhoso encontro com Jesus?
Segunda pergunta para reflexão: Por que Zaqueu subiu naquela árvore? Ele estava sedento por salvação? Queria, naquele momento, ter comunhão com Jesus? Não. A Palavra de Deus afirma: “E, tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. E eis que havia ali um varão chamado Zaqueu; e era este chefe dos publicanos, e era rico. E procurava ver quem era Jesus, e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura” (Lc 19.1-3). Ele não subiu na figueira porque estava desejoso de ter comunhão com Jesus, mas porque estava curioso para vê-lo.
Terceira pergunta para reflexão: O verdadeiro adorador deve agir como Zaqueu, ou como o salmista, que, ao demonstrar o seu desejo de estar na presença de Deus, afirmou: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” (Sl 42.1,2)? Será que o pecador e enganador Zaqueu tinha a mesma sede do salmista? Por que um verdadeiro adorador desejaria ser como Zaqueu?
Mas o hit “evangélico” continua: “Só pra te ver, olhar para ti e chamar sua atenção para mim”. Outra pergunta para reflexão: Será que precisamos subir o mais alto que pudermos para chamar a atenção do Senhor? Zaqueu, segundo a Bíblia, subiu na figueira por curiosidade. Mas Jesus, olhando para cima, lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa” (Lc 19.5). Observe que não foi Zaqueu quem chamou a atenção de Jesus. Foi o Senhor quem olhou para cima e viu aquele pecador perdido e atentou para ele (cf. Mt 9.36). O processo de salvação nunca começa no ser humano, mas se inicia em Deus (Fp. 2.13), afinal de contas a salvação é uma dádiva graciosa dele, da qual não merecemos nada.
A atitude de Zaqueu que nos serve de exemplo não foi o subir, e sim o descer, para atender o chamamento de Jesus: “E, apressando-se, desceu, e recebeu-o com alegria” (Lc 19.6). Por conseguinte, pergunto: O adorador, salvo, transformado, precisa subir para chamar a atenção de Jesus? Não. Na verdade, o Senhor está com o contrito e abatido de espírito (Is 57.15). Espiritualmente falando, Ele atenta para quem desce, e não para quem sobe (Sl 138.6; Lc 3.30).
Mais uma pergunta para reflexão: Se a atitude que realmente recebe destaque, na história de Zaqueu, foi a sua descida, por que a canção enfatiza a sua subida? O mais lógico não seria cantar “Como Zaqueu, eu quero descer”? Reflitamos.
A composição não é de todo condenável, pois o adorador que se preza deve mesmo cantar: “Eu preciso de ti, Senhor. Eu preciso de ti, ó Pai. Sou pequeno demais, me dá a tua paz”. Mas, a frase seguinte provoca outra pergunta para reflexão: “Largo tudo pra te seguir”. Estamos mesmo dispostos a largar tudo para seguirmos ao Senhor? E mais: É preciso mesmo largar tudo para segui-lo?
O que o Senhor Jesus nos ensina, em sua Palavra? Em Mateus 16.24, Ele disse: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me”. Renunciar não é, necessariamente, abandonar, largar, mas pôr em segundo plano. A própria família pode ser um obstáculo para um adorador. Deve ele, nesse caso, largá-la, abandoná-la? Claro que não! Renúncia equivale a priorizar uma coisa em detrimento de outra.
Não precisamos largar a família, o emprego, etc. para seguir o Senhor! Mas precisamos considerar essas coisas secundárias ante a relevância de priorizar a comunhão com Jesus (Mt 10.27). Nesta última passagem vemos que o adorador deve amar prioritariamente o Senhor Jesus, mas sem abandonar tudo para segui-lo! Não confundamos renúncia com abandono. O que devemos largar para seguir a Jesus é a vida de pecado, e não tudo.
A canção continua: “Entra na minha casa. Entra na minha vida”. O compositor se refere a Zaqueu, mas não foi este quem convidou o Senhor para entrar em sua casa. Na verdade, foi Jesus quem lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa” (Lc 19.5). Nota-se, pois, que esta parte da canção não é essencialmente cristocêntrica, e sim antropocêntrica. Ela não prioriza a obra que Jesus faz na vida do pecador, e sim o que o homem, o ser humano, faz para conseguir o que deseja. Enfatiza a auto-ajuda, e não a “Ajuda do Alto”.
Outra pergunta para reflexão: Um verdadeiro adorador, um servo de Deus, alguém que louva a Jesus de verdade, que canta louvores ao seu nome, não é ainda uma habitação do Senhor? Por que pedir a Ele que entre em nossa casa e em nossa vida, se já somos moradas de Deus (Jo 14.23; 1 Co 6.19,20)?
A parte mais contestada da composição em apreço sinceramente não me incomoda muito: “Mexe com minha estrutura. Sara todas as feridas”. Que estrutura seria essa? No Salmo 103.14 está escrito: “… ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó”. Deus, é claro, conhece-nos profundamente. Creio que o compositor tomou como base o que aconteceu com Zaqueu. O seu encontro com o Senhor mudou a sua vida por completo, “mexeu com a sua estrutura” (Lc 19.7-10). Deus faz isso na vida do pecador, no momento da conversão, e continua a transformar os salvos, a cada dia (2 Co 3.18).
Quanto a sarar feridas, o Senhor Jesus de fato nos cura interiormente. Mas não pense que estou aqui defendendo a falsa cura interior, associada a regressão psicológica, maldição hereditária, etc. Não! O Senhor Jesus, mediante a Palavra de Deus e a ação do Espírito Santo, cura os quebrantados do coração, dando-lhes uma nova vida (Lc 4.18; 2 Co 5.17).
Diz ainda a canção: “Me ensina a ter santidade. Quero amar somente a ti. Porque o Senhor é o meu bem maior”. Sendo honesto e retendo o que é bom na composição (1 Ts 5.21), Deus, a cada dia, nos ensina a ser santos, em sua Palavra (Hb 12.14; 1 Pe 1.15-25). Além disso, Ele é, sem dúvidas, o que temos de mais precioso mesmo e, por isso, devemos amá-lo acima de todas as coisas (2 Co 4.7; Lc 10.27).
Quanto à última frase “Faz um milagre em mim”, o compositor comete um grosso erro de português, muito constante na mídia, assim como “Faz um 21”. Na verdade, no caso da canção o correto seria: “Faze um milagre em mim”. E, no caso da Embratel: “Faça um 21”.
Diante do exposto, que os pecadores, à semelhança de Zaqueu, desçam, humilhem-se, a fim de receberem a gloriosa salvação em Cristo (Lc 18.9-14). E quanto a nós, os salvos, os verdadeiros adoradores, em vez de subirmos o mais alto que pudermos, que também desçamos a cada dia, humilhando-nos debaixo da potente mão de Deus (1 Pe 5.6), a fim de que Ele nos ouça e nos abençoe (2 Cr 7.14,15).
Texto original de Ciro Sanches Zibordi
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Comecei a ler...mas nao consegui chegar ao final....tudo na vida na pós modernidade infelizmente vale da ótica que olhamos...e vc deu a sua visão...eu poderia interpretar a musica no sentido de que alguém que queira ver Jesus por ter ouvido falar dele...e superou tudoo que lhe impedia...Zaqueu foi transformado após decidir ver Jesus....sendo assim...creio que muitas vidas tenham sido abençoadas com o desejo de buscar do Senhor...o que não podemos é sermos influenciados pelo pós modernismo e nos tornarmos fariseus...
ResponderExcluirboa noite Mateus, e galera amada da I.P. Cruz das Almas. bem, atendendo ao pedido do Mateus, deixo meu comentário sobre esta canção. na linguística existe uma máxima que diz o seguinte: não há sentido nenhum nas palavras. toda palavra tem sentido zero. somente o contexto de uso imprimi na palavra o seu significado. conheço o trabalho do pastor Ciro Sanchez, sei do compromisso dele com o reino de Deus, porém, a leitura que ele fez da música parte da premissa linguística errada, ou seja, a ideia de que as palavras tenham sentido monossêmico, ou seja, apenas um sentido e que o mesmo deve ser lido à luz deste único sentido. o autor da canção imprimiu sentidos teológicos verdadeiros a partir da história de Zaqueu. pelo que me consta, o autor da canção não procurava expor uma mensagem sobre Zaqueu, ou a teologia da narrativa, mas destacar cenas e sentidos de alguém em busca de Deus. assim, a leitura da canção erra também quando a focaliza na perspectiva do adorador. a canção não fala do adorador, mas de alguém que precisa de um encontro com Cristo para ter sua vida transformada. assim, todas as leituras do pastor Ciro se mostram equivocadas, pois ele desrespeita uma princípio básico de interpretação: ler o texto a partir do autor. o pastor Ciro viu aquilo por causa de sua ótica literalista do texto. se houvesse a preocupação de ler a partir dos sentidos que o autor da canção quis imprimir, ele não faria as críticas infundadas. para conclui, darei um exemplo. crescemos ouvindo: não diga: adoro bolo, pois só se pode adorar a Deus. acontece que na língua hebraica a palavra adorar era restrita ao culto da divindade. mas no português a palavra tem sentido amplo, tipo: gostar, amar, etc. assim, quando digo "adoro bolo", não estou dizendo que presto um culto ao bolo, mas que gosto de comer bolo. se compreendo isto, não imponho à frase um sentido que ela nunca intencionou ter. é este problema que vejo no artigo postado no blog: a tentativa de impor uma camisa de forças às palavras. continuarei cantando esta canção, sem nenhuma crise de consciência teológica, pois não há erro no que tenta comunicar. um abraço a todos.
ResponderExcluirAntes de este "post" ser publicado eu fiz algumas pequenas mudanças (que achei oportunas), por isso, acho necessário afirmar minha concordância com o texto final (do modo como está publicado).
ResponderExcluirEm primeiro lugar concordo com o Rev. Alexandre quanto ao fato de esta música estar abençoando vidas, porém este fato não a coloca em um patamar na qual está isenta de uma análise criteriosa (crítica).
Olhando para a história de Israel vemos, por exemplo, no AT que eles foram abençoados por uma serpente de bronze (ligação com a queda), um animal chucro e até por povos ímpios e cruéis como os assírios e os babilônicos. Deus na sua infinita misericórdia usa os mais diversos meios para abençoar o seu povo, e, com certeza, tem usado esta música para trazer salvação e/ou restauração aos seus filhos.
A questão que o "post" levanta é que esta mesma música pode continuar a abençoar vidas (e quem sabe abençoar ainda mais) se corrigida no seu aspecto teológico.
Quando afirmo que há diferentes pontos de vista e que eles podem ser verdadeiros (como afirma a Pós-Modernidade), estou negando o princípio da verdade absoluta e fatalmente ferirei a autoridade bíblica por meios das consequências deste pensamento quando aplicados à teologia.
Em segundo lugar concordo com o irmão Airton quanto ao perigo de tentativas literalistas de se ler um texto (neste caso uma poesia cantada).
ResponderExcluirPorém discordo da sua tese de que a leitura feita pelo autor é literalista. Entendo que o autor da música centra-se sim no (virtual) adorador, pois, afinal de contas, quem poderá ser o "alguém que precisa de um encontro com Cristo para ter sua vida transformada"?
Embora possa não ser o objetivo da música a formação teológica do ouvinte, na práxis sabemos que ela é formadora de pensamento teológico do povo cristão.
Por fim, entendo que o irmão Ciro pode ter feito uma leitura literalista do texto bíblico (ligações externas), porém não vejo a aplicação deste mesmo método a leitura da música.
Um forte abraço a todos!
Só uma pergunta....pq nos apegamos tanto àquilo que faz sucesso....pq nunca houve criticas a algumas atitudes nossas em relação a nossa vida de discipulado pratico....ou nossos hinários por exemplo....parece que temos medo daquilo que mais chama a atenção...avaliemos a nossa vida e nossas atitudes...pois elas demonstram se somos ou nao adoradores....não uma musica....
ResponderExcluirBom certa ou errada,não vamos tocar essa musica na igreja!Eu decido e pronto!hahaha
ResponderExcluirCamila Andrade,
diret.Eq.de Música Cruz das Almas